ALIANÇA INTERNACIONAL DE CATADORES

A Aliança Internacional de Catadores é um sindicato de organizações de catadores que representa mais de 460.000 trabalhadores em 34 países
Apoiado por Logo WIEGO

publicado por
Escrito por Julia Luchesi

abril 14, 2016


Verifique a tradução:

Estes vídeos fazem parte da série Retratos do Coração da Reciclagem.

“Seja a mudança que você quer ver no mundo”.

Esta frase dita pelo líder indiano Mahatma Gandhi no século passado ajuda a ilustrar a trajetória de luta dos catadores de materiais recicláveis pela efetivação de seus direitos sociais, enquanto cidadãos e trabalhadores, e pelo reconhecimento da importância da reciclagem de embalagens para manutenção ambiental.

Eles foram os primeiros a enxergar o potencial daquilo que é descartado após o consumo, o lixo passa a ser visto não mais como um problema, mas como uma solução de sobrevivência nas grandes cidades. Assumir esta atividade como profissão não foi fácil, e exige até hoje muito esforço dos mais de 15 milhões [ref]Segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas) Brasil em 2014 havia mais de 15 milhões de pessoas vivendo da catação sendo 26,6% na América Latina em condições insalubres, a maioria trabalhando em lixões. (ONUBR, 2014, link de acesso: www.nacoesunidas.org/banco-mundial-estima-que-4-milhoes-de-latino-americanos-vivem-do-lixo-reciclado/).[/ref] de trabalhadores em atuação no mundo pra o reconhecimento da sociedade pelo serviço que prestam.

Para serem ouvidos começaram a ser organizar em torno de movimentos sociais; a realizar passeatas nas ruas empenhando as suas bandeiras; a bater na porta e dialogar com prefeituras, governantes, empresas, escolas e população em geral.

Hoje, o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) é um dos principais em atuação pelo globo. Impressiona a sua capacidade de organização e mobilização dos trabalhadores no Brasil[ref]A mobilização do MNCR vai além do Brasil, repercute em outros países da América do Sul, juntos as organizações de catadores constituem a Rede Latinoamericana de Recicladores (Red Lacre).[/ref]; a articulação com os estados e governo federal para a aprovação e implementação da Política Nacional de Gestão de Resíduos Sólidos (PNRS)[ref]Lei nº 12.305 de agosto de 2010.[/ref].

Da mesma maneira, a história da Kagad Kach Patra Kashtakari Panchayat (KKPKP) é também um exemplo de espaço criado pra dar voz às insatisfações e vazão às propostas dos catadores em Pune, cidade localizada no Estado de Maharastha no sul da Índia. A partir da organização destes trabalhadores foi possível a efetivação da parceria entre Cooperativa Seva Sahakari Sanstha Maryadit (SWaCH) e prefeitura para a prestação de serviço de coleta de resíduos recicláveis e orgânicos no município.

Na Índia a atuação dos catadores é indispensável para gestão de resíduos, já que no país a maioria das municipalidades não oferecem coleta regular de lixo domiciliar pelo sistema formal de resíduos sólidos e não há nenhum programa de coleta seletiva estruturado[ref]Já no Brasil, segundo dados do MNCR (2015) 927 municípios possuem coleta seletiva implantada.[/ref], com exceção da cidade de Pune. A realidade indiana parece estar longe de ter uma política nacional de resíduos [ref]A lei de resíduos: “Municipal Solid Waste” de abrangência nacional, lançada em 25 de setembro de 2000, já apresentava pontos estruturantes para orientar a elaboração de programas de gestão de resíduos sólidos nos municípios, no entanto, ainda não havia menção aos catadores de materiais recicláveis.[/ref], há apenas um Draft de Leis de Resíduos Sólidos (DLRS)[ref]Este documento está sendo produzido pelo Ministério de Meio Ambiente, Floresta e Mudanças Climáticas e norteará a elaboração da política indiana que deverá ser concluída até o 1º ano da data de aprovação do draft. Link de acesso ao Draft: http://www.moef.nic.in/sites/default/files/SWM%20Rules%202015%20-Vetted%201%20-%20final.pdf.[/ref] sendo elaborado e o Brasil caminha a passos lentos para a implementação de sua política. Neste sentido, percebem-se pontos em comum entre as leis brasileira e indiana, a tabela [ref]A analise foi realizada utilizando-se como base a PNRS brasileira e o DLRS indiano.[/ref] a seguir registra alguns destes aspectos considerando a inclusão dos catadores de materiais recicláveis e divisão de responsabilidades entre setor público e privado na gestão de resíduos.


1 – Tabela comparativa de inclusão dos catadores de materiais recicláveis e outros atores na lei indiana e brasileira.

ParâmetrosÍndiaBrasil
Pontos PositivosPontos NegativosPontos PositivosPontos Negativos
1.     Papéis dos atores na gestão de resíduosHá a menção do poder público como responsável pela elaboração, implementação da política e gestão de resíduos nos municípios.Não há distinção entre as responsabilidades de geradores, comércios e cidadãos.

 

Trás o conceito de gestão compartilhada, poluidor pagador e responsabilidade estendida para diferenciar setor público, privado e sociedade civil.
Indica que o cidadão deverá pagar pelo serviço mensal de coleta seletiva e de resíduos orgânicos.O cidadão não é responsabilizado pelo pagamento do serviço prestado de coleta seletiva.
2.     Participação dos catadores de materiais recicláveis na gestão de resíduosÉ reconhecido como um prestador de serviço de coleta seletiva e de resíduo orgânico e deverá ser remunerado.Cooperativas e associações de catadores são colocadas no mesmo grupo de empresas que podem prestar serviço de coleta.Cooperativas e associações de catadores deverão ser priorizadas frente a outros prestadores de serviços e remuneradas pela coleta seletiva.A lei incentiva a contratação de cooperativas e/ou associações de catadores, mas não apresenta mecanismos que garantam  que este serviço aconteça.
Não há diretrizes específicas de incentivo do poder público e privado para a formação e/ou fortalecimento de cooperativas e associações de catadores.Incentiva a formação e fortalecimento das cooperativas e associações de catadores, na medida em que vincula as organizações  à contratação para prestação de serviço ao município e setor privado.

 

Nos dois países a catação continua abastecendo majoritamente o mercado informal, compostos por sucateiros e aparistas que ditam o preço e estabelecem contato com a indústria recicladora pelo alto volume que conseguem concentrar. No Brasil pode-se dizer que é um mercado misto, muitas das organizações de catadores possuem estruturas que podem se comparar a unidades fabris, e por isto, já conseguem comercializar diretamente com a indústria recicladora. O modelo de atuação indiano é completamente diferente, investir neste segmento ainda não é uma política pública do governo federal, o que dificulta o processo de profissionalização dos catadores em atuação. A maioria deles[ref]No caso dos catadores da SWaCH a coleta seletiva de orgânicos e recicláveis é realizada porta a porta com a utilização de baldes. A segregação entre reciclável e rejeito é feita in locu, cada condomínio separa uma área específica e a venda acontece quase que diariamente. Alguns destes condomínios possuem composteiras internas e os próprios catadores fazem o manejo, venda e direcionamento do composto às plantas de biogás em funcionamento no município.[/ref], assim como no Brasil, atua informalmente coletando sucata pelas ruas para depois realizar a venda no final do dia.

Ao se olhar para gestão de resíduos no Brasil e Índia fica claro a importância dos movimentos sociais na estruturação da cadeia de resíduos e programas de coleta seletiva nos municípios. Nos dois casos a necessidade de reconhecimento do catador gerou a profissionalização do segmento na mesma medida em que repercutiu na sociedade mudanças de comportamento baseadas em valores de consciência ambiental e justiça social, obrigando empresas e governos a tratarem o resíduo e o trabalhador sob uma nova perspectiva.

Do ponto de vista legal o Brasil parece estar bem equiparado, mas governantes, empresas, varejistas e fabricantes patinam na construção e implementação dos acordos setoriais. Outro dificultador é a falta de clareza na diferenciação das responsabilidades na gestão entre setor público, privado e sociedade civil – o que possivelmente será mais fácil nos municípios pequenos em que soluções consorciadas já estão sendo pensadas e viabilizadas.

Mesmo sem uma política nacional há soluções arrojadas de tratamento de resíduos em curso na Índia: o manejo de resíduos orgânicos pelos catadores é uma inovação para o segmento, demonstrando como é possível combinar diferentes tipos de metodologias em programas de gestão de resíduos.

Ter tido a oportunidade de conviver de perto com estas duas realidades foi um privilégio pra além do profissional. Sempre ficará na minha memória a admiração sentida ao ver o esforço diário despendido pelas catadoras diante do sol extenuante e a dura realidade indiana[ref]Pode-se dizer que ser catador na Índia é ainda mais complexo do que no Brasil, a atividade é restrita para a camada da sociedade que é vista como intocáveis e legitimado pela religiosidade são discriminados socialmente.[/ref]; os discursos emocionados das lideranças do MNCR e o carinho dos amigos catadores no Brasil.


Julia Luchesi é gestora ambiental, há 5 anos atua com o tema da gestão de resíduos sólidos no Brasil. No Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) realizou assessoria técnica, principalmente, pra implementação do projeto CATAFORTE-Fortalecimento do Associativismo e Cooperativismo dos Catadores de Materiais Recicláveis fases I a III. Na Giral viveiro de projetos desenvolveu pesquisas e elaboração de materiais nesta temática, além de realizar a gestão de projetos de investimento na cadeia de resíduos; com empresas, organizações de catadores, governo e comunidades. E agora em 2015 acompanhou por 3 meses o trabalho da Cooperativa Seva Sahakari Sanstha Maryadit (SWaCH) na Índia.



  1. Interessantissimo. Obrigado Julia!

    Comentário by Thiago Costa — maio 3, 2016 @ 12:00 am