ALIANÇA INTERNACIONAL DE CATADORES

A Aliança Internacional de Catadores é um sindicato de organizações de catadores que representa mais de 460.000 trabalhadores em 34 países
Apoiado por Logo WIEGO

publicado por
Escrito por Juliana Gonçalves, Luciana Duarte

Região

País Brasil

novembro 25, 2016


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A série Retratos do Coração da Reciclagem pretende retratar desafios enfrentados por catadores através de breves relatos (textos e/ou breves vídeos) das lutas e conquistas de grupos de catadores em diversas partes do mundo

PIMPEX + Roda de Conversa: Mulheres Catadoras e o trabalho nas ruas de BH[ref]Em parceria com a WIEGO.[/ref]

Foto Sonia Dias.

Foto Sonia Dias.

Contextualização

A atividade de catação de materiais recicláveis, nas ruas de Belo Horizonte, ocorre desde a década de 30. A cidade também é uma referência em organização de catadores, pois foi com a Asmare e sua história que remonta 25 anos que a coleta seletiva em parceria com os catadores foi implementada.

Historicamente existem duas categorias de catadores que atuam nas ruas da cidade. A primeira categoria é o catador que faz parte do corpo social de cooperativas ou associações. Em Belo Horizonte existem 8 organizações de catadores num total de 262 trabalhadores.[ref]Segundo relatórios da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) divulgado em 2014.[/ref] A outra categoria de catadores não possui vínculo com associações e cooperativas, realizando o trabalho de forma individual cuja estimativa da SLU girava em torno de 853 trabalhadores em 2014. Acredita-se que esse número seja significativamente maior, devido à atual recessão econômica.

Fazer parte de uma organização de catadores contribui para melhoria do trabalho e da renda, pois a venda é realizada coletivamente e permite um preço maior comparado ao praticado pelos ferros-velhos e depósitos espalhados pela cidade. Os catadores que não fazem parte de associação de catadores realizam a venda individualizada para os depósitos e ferros-velhos que pagam por peso (em kg) de materiais.

O Pimpex – Pimp My Carroça

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Foto Sonia Dias.

A reprodução do projeto Pimp My Carroça[ref]O pimp my carroça é um movimento que luta para tirar os catadores de materiais recicláveis da invisibilidade, promover a sua auto estima e sensibilizar a sociedade para a causa em questão, com ações criativas que utilizam o graffiti para conscientizar engajar e transformar” via website http://pimpmycarroca.com/[/ref] em Belo Horizonte é uma ação recente. O pontapé inicial se deu em 2015 com 14 carrinhos feitos por alunos de engenharia de produção orientados pela professora Luciana Duarte da Faculdade Kennedy e, em 2016, durante a Virada Cultural, tendo sido atendidos mais 2 catadores no projeto.

Nesse cenário o projeto Pimpex[ref]O pimpex é uma ação reduzida do pimp my carroça, com número menor de catadores atendidos e ações voltadas para a reforma dos carrinhos, entrega de kits pimpadores e pintura do grafiti.[/ref] aparece como relevante agindo na lacuna de assistência técnica na melhoria dos carrinhos dos catadores, principalmente dos que não possuem recurso para tal. Embora o foco do projeto seja tradicionalmente catadores não organizados, em Belo Horizonte, o projeto incluiu também os catadores organizados, embora poucos ainda realizem esse trabalho de coleta nas ruas já que a maioria trabalha como triadores dentro das cooperativas.

As experiências anteriores trouxeram alguns pontos importantes para a adaptação da ideia e propostas do Pimpex ao contexto e demandas locais. Em primeiro lugar, foi preciso compreender que o termo “carroça” não é usado no contexto de Belo Horizonte. Os catadores de material reciclável que realizam atividade na cidade denominam seu equipamento de transporte de “carrinho” e não “carroça”. À medida que “carroça” refere-se a veículo de tração animal o uso desse termo para os catadores é considerado depreciativo já que como dizem os mesmos: “…quem puxa carroça é asno, é burro, nós é gente, trabalhador, nós puxa é carrinho”. Em segundo lugar, existe outra categoria de trabalhador informal na cidade que utiliza carroças de tração animal –os “carroceiros” que, com seus cavalos puxam carroças transportando os resíduos de construção civil (ou entulho).

O modelo de carrinho varia conforme o local de atividade do catador de lugar para lugar. Em Belo Horizonte existe um decreto que pretendeu padronizar estes equipamentos, mas que não foi seguido à rigor sendo desconhecido por grande parte dos catadores e depósitos. Entretanto, existe um padrão de carrinhos utilizados na cidade, pelas cooperativas e depósitos. Os que fogem ao padrão são aqueles produzidos pelos próprios catadores.

O Pimpex Mulheres Guerreiras

A ideia de trazer o debate de gênero e a catação dos recicláveis junto da ação Pimpex veio com a parceria junto à WIEGO que já tem experiência em trabalhar a temática junto com as catadoras de materiais recicláveis. A temática de gênero então orientou o olhar para as questões do Pimpex que no momento foram a reforma e a intervenção artística do grafiiti.

Quanto à reforma, cada catadora demandou intervenções diferentes. A catadora Ermira Maria Oliveira da Asmare solicitou a troca da grade de madeira por uma de metal para diminuir o peso na coleta de mais material para reduzir o desgaste físico com o peso do seu carrinho. Já a catadora Maria Helena, ou Mudinha como é conhecida no depósito que trabalha é moradora de rua e seu carrinho, além de ser instrumento de trabalho é também sua casa. A demanda da Mudinha foi para melhorias no carrinho que ela utiliza há mais de 15 anos como adaptações no freio e alguns detalhes estruturais. A terceira catadora participante que foi atendida devido a um re-alocamento de recursos, foi a Ivone Aparecida Debem. A catadora Ivone solicitou a pintura de seu carrinho de rosa, que segundo ela, evitaria que os homens o pegassem emprestado o tempo todo.

A reforma de todos os carrinhos foi coordenada pelo catador Edmárcio Ferreira que realiza trabalhos de serralheria e marcenaria na Asmare e possui conhecimentos práticos em reparos e reforma de carrinhos. Além do atendimento às demandas de reforma das catadoras, foram colocadas placas de PVC alveolar nas grades para aumento da área para o grafitti.

Para a ação de grafitagem foram selecionadas mulheres grafiteiras. O grafitti também é uma atividade onde poucas mulheres possuem um espaço significativo e, por esse motivo a arte dessas mulheres precisa ser valorizada. Dessa forma a escolha de grafiteiras mulheres para realizar o trabalho artístico proposto pelo Pimpex pretendeu atuar nessa questão da valorização da presença feminina. A ação de grafitagem foi realizada no dia 23/10/16 debaixo do viaduto Santa Tereza – um espaço urbano de referência voltado à cultura de rua, principalmente do hip-hop e do grafitti. As artistas que participaram foram Samis, Biga, Ádila, Olívia, Manu e Kawany.

O recurso do projeto foi captado através do financiamento coletivo online na plataforma catarse.

A ação pimpex + roda de conversa

A roda de conversa foi proposta pela WIEGO com o objetivo de politizar o Pimpex focado nas mulheres trazendo a questão de gênero e racismo como pauta de reflexões coletivas e foi coordenada por Sonia Dias e Ana Carolina Ogando que convidaram a ativista Diva Moreira, importante referência do movimento negro, para mediar as discussões e ressaltar alguns elementos para reflexão. A roda foi composta pelas catadoras, grafiteiras e colaboradores formando um grupo de cerca de 20 pessoas. Temas como invisibilidade social, discriminação das mulheres e preconceito racial foram problematizados. Observa-se a necessidade de ações reflexivas constantes sobre a situação de discriminação de gênero e raça no Brasil, pois ficou claro como ao centrar-se na luta cotidiana pela sobrevivência as catadoras naturalizam discriminações de gênero e raça chegando a ignorar a sua existência.

Considerações

De uma maneira geral, a forma como se deu a roda junto da atividade do Pimpex se mostrou contributiva para o processo como um todo. É preciso trazer os catadores e catadoras para o centro das discussões para que estes possam ter sua voz reconhecida e alcancem maior visibilidade na sociedade e nas políticas públicas . Essa intervenção teve como foco deixar emergir a demanda das catadoras, suas perspectivas enquanto mulheres e enquanto trabalhadoras. A temática se mostrou com um potencial significativo e o acompanhamento após a ação pode trazer alguns pontos relevantes para outras discussões e execução de outras ações, além do impacto dessa. A inclusão de uma roda de conversa dentro da ação trouxe uma sintonia maior entre as grafiteiras, as catadoras e a temática e foi considerada produtiva na visão dos participantes.

Foto Sonia Dias.

Foto Sonia Dias.

Equipe Pimpex +Roda de Conversa BH

Juliana Gonçalves (Cientista Socioambiental)
Luciana Duarte (Designer de Produto)
Silvia Xavier (Designer de Produto)
Heloísa Gabriela (Estudante de Engenharia de Produção)
Grazielle Fernandes (Estudante de Ciências Socioambientais)
Júlia Bellini (Estudante de Ciências Socioambientais)
Erich Bias (Estudante de Ciências Socioambientais)
Thiago Abílio (Estudante de Ciências Socioambientais)
Augusto Schmidt (BH em Ciclo)
Clero Júnior (Estudante de História e Grafiteiro)
Parceria: WIEGO (Sonia Dias, Ana Carolina Ogando)
Colaboração: Diva Moreira
Apoio: Asmare, Projeto Macarronada Solidária, Real Vandal Grafitti e Teatro Espanca