ALIANÇA INTERNACIONAL DE CATADORES

A Aliança Internacional de Catadores é um sindicato de organizações de catadores que representa mais de 460.000 trabalhadores em 34 países
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publicado por
Escrito por Musa Chamane, GroundWork campaigner

Região

País África do Sul

abril 23, 2016

Traduzido por Tatianna Silva


Influx of waste to energy projects
Escrito por Musa Chamane, GroundWork campaigner. 03/15/2016

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Devido aos vários desafios enfrentados pelo governo com relação ao lixo, a incineração está sendo considerada como alternativa na África do Sul, embora seja uma falsa solução. Companhias especializadas em gestão do lixo, inclusive empresas produtoras de cimento, têm pressionado o governo para que aprove a incineração do lixo, porém usando denominações que soam mais atrativas como conversão do lixo em energia, pirólise e projetos de gaseificação. Incineradores estão camuflados como projetos de conversão do lixo em energia como resposta à dificuldade enfrentada pela empresa Eskom de atender a demanda energética.

Há várias propostas de implantação de incineradores em diferentes áreas da África do Sul, principalmente na região de KwaZulu Natal em  cidades como Newcastle and Pietermaritzburg. Todos esses projetos foram apresentados pelo setor privado. A comunidade não será beneficiada pela construção dos incineradores, uma vez que os empregos gerados são destinados a pessoas com alta qualificação profisssional.

O debate sobre incineração começou na África do Sul na década de 1980. Incineradores eram mais frequentemente utilizados por hospitais para tratar lixo hospitalar. A proposta de construção de uma usina de incineração municipal foi recebida com forte resistência pelas comunidades. No passado, incineradores de lixo hospitalar foram fechados devido à pressão exercidade pela sociedade civil. O incinerador de Ixopo foi fechado em virtude da complexidade das suas atividades. O incinerador de Bloefontein também foi fechado após inúmeras reclamações da comunidade.

É sabido que a construção de incineradores demanda um significativo investimento inicial por parte dos construtores. Na maioria dos casos, os investidores entram em acordo com as prefeituras para que haja o fornecimento mensal de grandes quantidades de lixo para viabilizar o funcionamento dos incineradores. Caso as prefeituras não forneçam a quantidade necessária de lixo estarão sujeitas a multas e outras penalidades. Cláusulas como esta contrariam a Lei do Lixo de 2008 que visa evitar o desperdício através da minimização do lixo na fonte geradora. Incineradores, contudo, incentivam a geração de lixo. Dessa forma, o benefício que os incineradores proporcionam à comunidade não é sustentável. Apenas porque possivelmente um pequeno número de pessoas será empregado para fazer a coleta do lixo que alimentará os incineradores não significa que o projeto será benéfico se considerarmos todos os custos incorridos inclusive os custos ambientais.

A incineração do lixo é uma falsa solução porque ela retira os catadores da economia. Não é fácil manter um incinerador e uma usina de reciclagem em co-existência. Países que implantaram incineradores municipais de lixo têm praticado a queima de materiais recicláveis com o intuito de elevar as temperaturas nos incineradores. Comunidades que residem nas proximidades dos incineradores são contrárias ao seu funcionamento devido a emissão de gases tóxicos. No Reino Unido, um incinerador da empresa Veolia foi alvo de protestos da comunidade devido as suas emissões prejudicias a saúde como dioxinas e furanos causadores de câncer.

O aproveitamento energético do biogás de aterros sanitários também é considerado como um modo de conversão do lixo em energia, e se dá a partir da captura de gás emitido por lixo em decomposição em aterros sanitários. Canos são inseridos horizontalmente através do lixo e sugam ou capturam gases que são emitidos ao longo do processo de decomposição. A captura desses gases não é fácil e um elevado percentual acaba escapando.  O gás que é captado não está pronto para ser usado como eletricidade. É necessário que primeiramente passe por um processo de conversão.  A purificação do gás é um dos passos desse processo e demanda um grande investimento financeiro. A captura do gás também não é financeiramente auto-sustentável já que requer investimento inicial para que o projeto possa ser implantado. Devido à complexidade do processo de captura de gás, a maior parte das prefeituras acaba optando pela queima do gás que é captado através dos canos. A queima é feita com o propósito de converter gases que são prejudiciais à atmosfera. Porém, esta metodologia também é uma falsa solução para os desafios de gestão do lixo e geração de energia enfrentados pela África do Sul.

Empresas que produzem cimento estão propondo a queima de pneus em suas usinas como forma de recuperar a energia investida na produção dos pneus. Essas empresas esperam substituir carvão por pneus como fonte de geração de energia em suas usinas. Entidades reguladoras de pneus terão que pagar empresas produtoras de cimento para alimentar seus fornos de pneus. Não é necessário dizer que empresas produtoras de cimento serão bastante beneficiadas por esse processo através da substituição do carvão por pneus e do reabastecimento de seus fornos de graça. No entanto, empresas cementeiras são especialistas em produzir cementos não em solucionar o problema do lixo. Dessa forma, também esta é uma falsa solução já que a maioria das empresas cementeiras não detém licença para queimar pneus. Ao invés da queima, pneus podem ser triturados e a borracha utilizada na construção de quadras de tênis ou de rodovias, criando assim mais empregos.

As prefeituras foram convencidas pelo setor privados a considerar a incineração do lixo. A incineração usa uma tecnologia complexa e poluente, portanto é importante que as prefeituras fiscalizem as condições para concessão de licença. Para operar um incinerador é necessário licença ou autorização prévia do governo. As prefeituras são reconhecidas por sua má-administração e leva os cidadãos a pensar sobre como uma tecnologia arriscada pode ser aprovada se há dúvidas quanto a capacidade das prefeituras de monitorar a operação dos incineradores.

A hierarquia do lixo deixa claro que a redução deve ser a primeira solução, mas se as tecnologias disponíveis requerem a geração de mais lixo, então a tecnologia é contrária a hierarquia que estabelecemos. O reuso de materiais é muito importante porque diminui a quantidade de lixo destinado a aterros. Alguns tipos de lixo podem ser reutilizados e ter seu valor recuperado. Em países desenvolvidos e em desenvolvimento há um grande mercado de produtos de segundo mão que movimenta roupas e brinquedos infantis, livros e móveis. Se um produto perdeu o valor ou uso para um consumidor, o mesmo produto pode ser útil para outro consumidor que pode consertá-lo, se for necessário, e reutilizá-lo.

O tratamento do lixo é também um componente da hierarquia. Alguns tipos de lixo podem ser tratados para que se tornem menos prejudiciais, por exemplo produtos de cuidado da saúde. Esses produtos devem ser esterilizados e triturados para que possam ser descartados sem causar danos ao meio ambiente e à saúde. Nestes casos, o tratamento pode consistir na incineração desses produtos e conversão da energia obtida no processo de queima.

O desafio do lixo somente pode ser superado se a hierarquia do lixo for estritamente respeitada. Alguns tipos de materiais que não podem ser reutilizados ou reciclados não deveriam ser produzidos, como é o caso do polipropileno. O jeito moderno de lidar com o lixo passa pela hierarquia da redução, reuso, reciclagem, tratamento e disposição. Não se pode ir direto ao tratamento sem exaurir outras fases da hierarquia do lixo. Está claro que a recuperação do lixo através da reciclagem, por exemplo, é a solução em virtude das inúmeras vantagens que apresenta em comparação a incineração.