História
Em Direção a uma Aliança Global: Catadores de materiais recicláveis sem fronteiras
(originalmente publicado em espanhol no site redrecicladores.net)
Por Lucía Fernández, Coordenadora do Programa de Resíduos Sólidos da WIEGO (Mulheres no Trabalho Informal: Globalizando e Organizando)
Em 2005, na cidade de São Leopoldo, Brasil, tive a oportunidade de ajudar a reunir alguns líderes de organizações de catadores de quatro países da América Latina. Quem imaginaria nessa primeira reunião que, oito anos depois, esses mesmos líderes e países fariam parte de uma aliança que, até hoje, reúne organizações da Ásia, África e América Latina?
Naquele tempo, aos poucos surgia uma ligação entre organizações de catadores do Chile, Argentina, Brasil e Uruguai. O caminho era incerto e espontâneo; nenhum projeto ou financiamento propiciava que esses catadores se reunissem. Porém, a determinação sempre foi mais forte do que as dificuldades, e o apoio de aliados veio rapidamente.
A cooperação se intensificou quando a Fundação Avina percebeu o potencial desse grupo de catadores que cuidava do planeta e seus ecossistemas, muitas vezes sem saber do seu impacto positivo. A escala continental dessa aliança deu inicio a uma relação estreita entre a Fundação para o Desenvolvimento Sustentável na América Latina e seus líderes, catadores de materiais recicláveis com vontade e determinação de reunir forças para se tornarem mais fortes e visíveis.
Nos anos seguintes (2006-2007), aconteceram vários encontros e reuniões de planejamento. Uma das características desses primeiros encontros era que o fluxo de idéias e anseios era maior do que a possibilidade de concretizá-los. Mas isso nunca foi um obstáculo que impedisse a capacidade de sonhar. Essas reuniões geraram a criatividade e a solidariedade necessárias para manter a coesão e o entusiasmo, apesar dos desafios geográficos oriundos dessa colaboração. Imagine trabalhadores que caminham quilômetros puxando carrinhos para coletar e triar materiais recicláveis pegando um avião para encontrar companheiros de países distantes.
Alguns céticos disseram e continuam dizendo que seria mais produtivo que os catadores continuassem lutando para a melhoria de suas condições de vida e trabalho em suas cidades ao invés de desperdiçar tempo com viagens internacionais. Porém, alguns trabalhadores empreendedores disseram, ‘Vamos trabalhar para alcançar ambos objetivos! Vamos lutar sem parar, e sem fronteiras. Assim como os exploradores ultrapassaram fronteiras transnacionais, nós catadores, romperemos as fronteiras em nossa luta’. Esse foi o lema do Segundo Congresso da América Latina em São Leopoldo, em 2005, e tem se tornado o lema diário de muitas organizações de catadores por todo o mundo.
Depois do grito de abertura “Não há fronteiras para os que exploram… Não deve haver para os que lutam…”, esses países se reuniram com outros da América Latina e outros aliados em Bogotá, Colômbia, para celebrar uma aliança intercontinental. Um dos aliados era a WIEGO – uma rede global que reúne pesquisadores que estudam a economia informal e trabalhadores do mercado informal. No total, 42 países participaram desse Primeiro Congresso Mundial e do Terceiro Congresso de Catadores da América Latina. As realidades compartilhadas eram diferentes, mas os problemas e os desafios eram praticamente iguais: Como alcançar o reconhecimento do trabalho dos catadores? Como melhorar as suas condições de vida e trabalho?
Três anos se passaram desde que essas perguntas foram levantadas, e é com muito orgulho que anunciamos que atualmente existem dezenas de movimentos regionais e nacionais de catadores em oito países da América Latina (Venezuela, Equador, Peru, Paraguai, Costa Rica, Porto Rico, República Dominicana e Bolívia), em dois países africanos (Quênia e África do Sul), na Índia e em alguns países da Ásia (onde existem grupos em formação).
Em julho de 2009, testemunhamos o nascimento da Associação Nacional de Catadores da África do Sul e da Aliança de Catadores Indianos, e em 2010, da rede nacional do Quênia. Assim como os recém-criados Movimentos Nacionais da Nicarágua e da República Dominicana, outros movimentos surgiram entre 2008 e 2009.
A Rede Latino-Americana (Rede Lacre) continua sendo vanguarda e modelo para colegas em outras regiões, que vêem com orgulho o progresso da rede em áreas como: políticas nacionais de inclusão da categoria, cooperativismo, fortalecimento de liderança, coordenação de negócios e defesa do setor. Solidariedade e trocas de experiência entre países geram aprendizagem mútua e fortalecimento de organizações que lutam pelo mesmo objetivo: a melhoria de condições de vida e de trabalho dos catado res.
Nos últimos anos, esforços têm sido concentrados na construção de uma rede mundial emergente composta por um Comitê Dirigente provisório com representantes dos três continentes. O Comitê já fez reuniões em Buenos Aires, Durban, Belo Horizonte e Bangkok. Por ser uma Aliança Global, os integrantes atuam em conjunto através de atividades de alto impacto e visibilidade, incluindo a participação nos eventos da ONU sobre o aquecimento global em Bonn, Copenhagen, Tianjin e Cancún, onde pela primeira vez um catador fez um discurso público para o mundo inteiro no plenário de abertura. Um novo aliado passou a apoiar o movimento de reconhecimento do trabalho dos catadores de materiais recicláveis e de combate às mudanças climáticas: A Aliança Global para Alternativas à Incineração (GAIA).
Os desafios mudaram de forma, mas continuam a existir. Os catadores de materiais recicláveis ainda enfrentam obstáculos. Em alguns países, catadores continuam sendo assassinados; em outros, são presos arbitrariamente. Em alguns estados, é comum encontrar medidas que foram criadas para impedir o trabalho diário deles. Porém, catadores estão respondendo a esses abusos com atos de solidariedade.
Através do site da Aliança Global, estamos celebrando as conquistas, denunciando os abusos, e mostrando ao mundo a importância dos catadores de materiais recicláveis. Esperamos que o site ajude a promover o processo de organização e coordenação desse caminho sem fronteiras.
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